População refuta adiar prazo para desativar barragens

Barragem Pontal/AL

População refuta adiar prazo para desativar barragens. Mineradoras têm até sexta (25) para descomissionar estruturas com mais risco de rompimento. Chuvas aumentam perigos.

Barragem Pontal/AL

Os poucos avanços em prol de uma atividade mineradora mais segura para a população e para o meio ambiente, conquistados nos últimos anos depois de muitas mortes e muita pressão popular, estão agora ameaçados. Esse foi o tom da maioria das manifestações de convidados na audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quarta-feira (23/2/22).

As tentativas de se modificar a Lei 23.291, de 2019, conhecida como Mar de Lama Nunca Mais, foram citadas por vários dos participantes da reunião como sinal dos retrocessos. A legislação foi aprovada logo depois do rompimento da Barragem do Fundão, em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte), e duas proposições em tramitação na Casa tentam alterá-la atualmente: os Projetos de Lei (PLs) 3.209/21 e 3.497/22.

Maria Teresa Corujo, do Movimento pela Preservação da Serra da Gandarela, disse que há um desmonte da legislação ambiental em curso pelo menos desde 2015 e que isso tem levado a vários problemas nos licenciamentos. “A Lei Mar de Lama só foi conseguida com muita luta e depois de quase 300 vidas perdidas e agora querem que ela entre também no desmonte”, disse.

Andréia de Jesus (deputada estadual PSOL/MG)

Entre as determinações da lei está a erradicação das barragens construídas pelo método de alteamento a montante, que tem mais riscos de rompimento. As barragens já construídas dessa maneira deveriam ser descomissionadas até a próxima sexta-feira (25), mas de acordo com a deputada Andréia de Jesus (Psol), presidenta da Comissão de Direitos Humanos, apenas cinco, das 54 existentes, já foram descomissionadas.

Assim, uma das tentativas é alterar a legislação para ampliar o prazo. “Não tem que ter prorrogação. As medidas precisam ser rigorosas”, disse Fernanda Portes, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). A opinião dela sobre a questão foi repetida por todos os convidados.

Uma das entidades que têm trabalhado pela ampliação do prazo é a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), que pede adiamento para 2035, como informou o deputado Betão (PT).

Para ele, as chuvas recentes demonstraram os perigos da atividade mineradora mais uma vez. Um exemplo foi o transbordamento de um dique da Mina do Pau Branco, que interditou a rodovia BR-040 em janeiro.

Impactos da mineração são intensificados pelas chuvas

A interação das chuvas intensas com a mineração em Minas Gerais deu o tom dos debates. A situação gera o que Marcelo Barbosa, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração, chamou de “crime ampliado”, ou seja, o aprofundamento das consequências do rompimento de barragens, como as de Mariana em 2015 e de Brumadinho em 2019, que se prolongam no tempo.

Ele exemplificou que, para a reparação dos danos em Brumadinho foram contratados pela Vale de 6 a 7 mil trabalhadores. Esses passaram a viver em áreas de risco geológico na região e acabaram atingidos pelos desastres causados pela chuva.

“E não é só o problema das enchentes. Questões de infraestrutura que se prolongam e não são resolvidas são um problema também”, completou a defensora pública Carolina Morishita Ferreira. Ela disse, ainda, que a falta de confiança nas informações passadas pelas mineradoras sobre a segurança das barragens e a qualidade da água deixam as populações com medo. Ela sugeriu uma regulamentação que garanta o acesso, pelas assessorias técnicas independentes, aos dados primários necessários para aferir essas condições.

Joelma Fernandes Teixeira (atingida do município de Governador Valadares)

Muitas das vítimas dos rompimentos das barragens também apontam que as mineradoras não têm cumprido os acordos de reparação. A produtora rural Joelma Fernandes Teixeira, de Governador Valadares (Rio Doce), reclamou dos danos que o município ainda sofre com o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, e da falta do cumprimento de acordos feitos para compensar a população atingida. Segundo ela, a indenização definida ainda não foi paga.

Joelma conta que a Samarco/Vale, responsáveis pela estrutura, vinham pagando um auxílio emergencial, que foi cortado para os pescadores e povos tradicionais atingidos pela lama.

Comunidades na iminência de novos rompimentos

Maria Fernanda Salcedo disse que 41 territórios em Minas vivem sob o risco de um rompimento 

Maria Fernanda Salcedo disse que 41 territórios em Minas vivem sob o risco de um rompimento – Fotos: Guilherme Dardanhan/ALMG

A professora da Faculdade de Direito da UFMG Maria Fernanda Salcedo lembrou, ainda, que é preciso olhar para um problema que não é tão evidente quanto os efeitos dos rompimentos de barragens nas comunidades mais próximas, mas também é grave: a “lama invisível”. Segundo ela, o termo tem sido usado pelos moradores do município de Barão de Cocais para nomear a vida sob a iminência de um rompimento.

Segundo a convidada, 41 territórios em Minas Gerais vivem sob essa condição atualmente. As pessoas de tais comunidades vivem com medo e, às vezes, precisam sair das suas casas para se proteger.

São Sebastião das Águas Claras, local mais conhecido como Macacos, é um exemplo: cercado por sete barragens, duas delas com risco iminente de rompimento, o local foi evacuado. As pessoas vivem há três anos de forma improvisada em hotéis e, de acordo com Fernanda Salcedo, estão sendo pressionadas a ir para Belo Horizonte pela mineradora Vale.

GOVERNO ESTADUAL GARANTE QUE ATUA PELA MINERAÇÃO SUSTENTÁVEL

Depois de ouvir as denúncias e demandas, a subsecretária de regularização ambiental da Semad, Anna Carolina Pozzolo, disse que todos os passos necessários para garantir que a mineração seja sustentável são conferidos pela pasta nos licenciamentos.

Ela disse que as licenças concedidas são anunciadas, mas as negadas não são – e essas últimas são, segundo ela, muitas. “Temos segurança na análise dos nossos especialistas, que formam uma equipe multidisciplinar e trabalha de forma criteriosa”, disse. Sobre o transbordamento do dique da Mina do Pau Branco, ela afirmou que todos os monitoramentos estavam em dia e que o que aconteceu foi um “infortúnio”.

Já o presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), Renato Brandão, falou sobre a implementação da política estadual de segurança em barragem, instituída pela Lei Mar de Lama Nunca Mais, que está sob a sua responsabilidade. Segundo ele, desde a sanção da lei, o Estado tem trabalhado nas regulamentações para que a norma se efetive, criando as condições para, por exemplo, o cadastro das barragens e dos auditores.

Sobre a qualidade da água, Wanderlene Nacif, diretora de operações do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), disse que são publicados relatórios e informativos no site do órgão, disponíveis para toda a população. Ela também afirmou que o órgão fez 63 fiscalizações em barragens nos meses de janeiro e fevereiro deste ano, 56 delas atendendo a denúncias sobre riscos de rompimento.

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